"Pautar o ensino no
vestibular é um erro"
Antoni Zabala, responsável pela
reforma do ensino espanhol, é
a favor da formação para a vida
e não para a faculdade
Marina Caruso
Catalão formado em filosofia e ciências da educação pela Universidade de Barcelona, na Espanha, Antoni Zabala está hoje entre os nomes mais respeitados da educação mundial.
Responsável pela maior mudança da história da educação espanhola pós-ditadura Franco, prestou consultoria a inúmeras escolas e ministérios da educação em países da América Latina, inclusive no Brasil.
Atualmente preside o Instituto de Recursos e Investigação para a Formação (Irif ), especializado no aperfeiçoamento de professores.
Em entrevista a IstoÉ Próxima Geração, por telefone, Zabala falou dos desafios do ensino no País e no mundo.
ISTOÉ – Qual é o maior desafio da educação brasileira?
Antoni Zabala – O maior problema da educação não é regional, é mundial.
Hoje, o que urge, tanto no Brasil quanto no mundo, é a mudança de um sistema educacional de elite para um sistema de educação para todos.
Nos quatro cantos do mundo a universidade é o grande referencial do ensino. Quando, na verdade, o que se deveria buscar é que todos os cidadãos possam ser competentes no que fazem, independentemente de terem nível superior.
Pautar todo o ensino numa prova de vestibular é um erro.
Precisamos mais de mão-de-obra qualificada do que de estudiosos cheios de títulos, então por que não valorizar os profissionais que têm mais experiência prática do que teórica?
ISTOÉ – No caso da América Latina e de outros países em desenvolvimento, esse problema não é ainda mais gritante?
Zabala – Mas há um problema anterior a esse, também gritante, que é o atraso na universalização da educação.
Trocando em miúdos, antes de deixar de ter o vestibular como máxima do ensino, os países da América do Sul precisam fazer com que a educação seja, realmente, um direito de todos.
Na Europa, todas as crianças entre seis e 15 anos estão na escola.
No Brasil, não. Conseguir que todo cidadão possa exercer o direito de estudar é primordial. Isso feito, o segundo passo seria garantir que esse ensino medisse competências para a vida, e não para uma prova de vestibular cuja taxa de inscrição muitos alunos nem sequer poderão pagar.
ISTOÉ – O sr. é um grande defensor do ensino que prepara o aluno para a vida, e não para a universidade. Fale um pouco sobre isso.
Zabala – Infelizmente, muitos países dão importância ao saber pelo saber.
À exceção do mundo anglo-saxônico, valoriza-se muito mais a teoria do que a
prática. Logo, as profissões práticas, reais, do dia-a-dia, como pedreiros, babás, encanadores, são muito pouco valorizadas.
Isso é um erro. Temos que lutar
contra o preconceito que existe em relação aos chamados subempregos.
A sociedade que atribui um valor ao saber pelo saber estigmatiza quem não tem
curso superior e supervaloriza a formação universitária.
Na Espanha, temos muitas carreiras de grau médio (correspondente às nossas escolas técnicas), mas elas ainda são consideradas de segunda categoria, pelo simples fato de não outorgarem nível universitário.
Uma pena, realmente, pois estamos desprezando uma mão-de-obra qualificada.
ISTOÉ – Essa desvalorização é inerente ao subdesenvolvimento.
Zabala – Não é um problema de subdesenvolvimento, e sim de cultura com importância excessiva ao conhecimento teórico. As línguas latinas, como o português e o espanhol, dão muita importância à gramática, enquanto o inglês, por exemplo, não.
O domínio da língua inglesa consiste em saber ler, escrever e se expressar. O das línguas latinas, não. Nós damos muita importância à morfologia e à sintaxe porque a própria estrutura gramatical da língua é mais complexa.
A universidade é um reflexo disso.
Queremos pessoas que sejam competentes, e a competência está ligada à capacidade de uso do conhecimento, e não de seu armazenamento. Conhecimento aplicado é o mais importante. A pessoa competente aplica o que conhece.
Atitude, conhecimento e liberdade – isso é o que forma, realmente, alguém importante.
ISTOÉ – E como fica o professor nesse caminho?
Zabala – Um sistema de ensino é falho quando seu professor é falho.
O que isso quer dizer? Que o professor precisa mais do que quatro anos dentro de uma universidade.
Precisa de atualização e reciclagem constantes, pois ele está em formação constante. Tem que estar a par de tudo o que há de mais moderno em termos de educação e sociedade.
Deve fazer cursos e aprimorar-se ao máximo.
ISTOÉ – E de quem é o papel de oferecer esses cursos de reciclagem, da escola, do Estado? Ou o próprio profissional deve buscá-los?
Zabala – De todos. No caso das escolas públicas, o Estado deve bancar o
que considerar imprescindível. No caso das escolas particulares, a própria instituição de ensino deve propiciar.
Mas, em ambos, se o professor não fizer a
sua parte, não adianta. É ele que deve estar atento ao que existe de mais interessante no setor e deve alertar os diretores.
Ele também pode, e deve, decidir fazer um curso ou uma especialização por conta própria. Afinal, ele também é o agente e o sujeito de sua aprendizagem.
Gosto muito do pensamento de Zaballa, grande educador, grande homem!!!
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