O pato ganhou sapato,
Foi logo tirar retrato.
O macaco retratista
Era mesmo um grande artista.
Disse ao pato: “Não se mexa
Para depois não ter queixa”.
E o pato, duro e sem graça
Como se fosse de massa!
“Olhe prá cá direitinho:
Vai sair um passarinho”.
O passarinho saiu,
Bicho assim nunca se viu.
Com três penas no topete
E no rabo apenas sete.
E como enfeite ele tinha
Um guizo em cada peninha.
Fazia tanto barulho
Que o pato sentiu engulho.
Pousou no bico do pato:
- Eu também quero retrato!
- No retrato saio eu só,
Prá mandar a minha vó!
A discussão não parava
E cada qual mais gritava.
Passa na rua um polícia.
“Uma briga? Que delícia!”
O polícia era um cavalo
Montado noutro cavalo.
Entra como um pé de vento
Prende tudo num momento.
“Hão de ficar vida e meia
Descansando na cadeia”.
“Ah! Ah! Ah!...” ri ele assim.
E o cavalo: “him! him! him!...”
A avó do pato é uma fada
Que ficou enfeitiçada.
Nunca, nunca envelhecia,
Era loira como o dia.
Ai, que linda que era ela!
E agora seca e amarela.
Parece passa de gente,
Não tem cabelo nem dente.
Vou num instante contar
Como pôde assim mudar.
Lá na Floresta Encantada
Mora a Fada Mascarada.
Ninguém direito a conhece,
Pois sempre outra parece.
Conforme lhe dá no gosto,
Cada dia usa um rosto.
É que é feia, feia, feia...
Como ninguém faz idéia!
Quando no espelho se olhava,
O espelho logo rachava.
Se olhava um rio, - ora essa!
Corria o rio mais depressa!
E não sei se já lhe disse
Que a vó do pato era Alice.
Ora, um dia, Alice vinha
Pela floresta sozinha.
Vendo-a, a Fada Mascarada
Voa à casa da coitada.
O pato, naqueles dias
Era menino, o Matias.
“Olha, menino, o que eu trouxe!”
E lhe mostra um lindo doce.
Ele, guloso e contente
Finca o dente no presente.
Vai falar. Mas que é que há?
Só pode dizer quá... quá...
Pois o menino tão belo
Virou patinho amarelo.
Chega a avó. E vejam só:
A Fada lhe atira um pó.
Nem havia o pó sentado,
Estava tudo mudado.
Num segundo a pobre Alice
Toda encolheu de velhice.
Mal pode andar. Chama então
Seu neto do coração.
Vem um patinho: quá? quá?
Nenhum compreende o que há.
E pela floresta escura
Vão um do outro à procura.
E tanto andou o patinho
Que perdeu o seu caminho.
Vai seguindo, estrada fora,
Até o romper da aurora.
Chega à cidade. Há um regato.
Que alegria para um pato!
Matias põe-se a nadar
Sem mais nada recordar.
Passa um grupo de meninas.
É cada qual mais traquinas.
- Um pato! – gritam em coro.
- Que lindo patinho de ouro!
Rosa, a filha do Prefeito,
Agarra-o com todo o jeito.
Comida e casa lhe dá
Diz o patinho: quá, quá.
Rosa tem um professor
Chamado Dom Galaor.
Se o professor ergue o dedo,
Rosinha treme de medo
E quer que o mundo se acabe,
Pois a lição nunca sabe.
Enquanto o mestre falava
O pato, sério, escutava.
Tanto assim que já sabia
Muita história e geografia.
Porém, antes de mais nada,
O seu forte era a taboada.
Num dia de sabatina
Que pena dava a menina!
Quanto é sete vezes nove?
E rosinha nem se move.
Mas o pato, desta vez,
Assopra: sessenta e três.
E ele mal acreditava:
Nem sabia que falava!
No jardim à tardezinha
Chega sempre uma andorinha.
Tem por nome Margarida
E passa a voar toda a vida.
Nada no mundo lhe escapa:
É como se fosse um mapa.
A casa de dona Alice?
Já vi do alto... ela disse.
Margarida! – exclama o pato
- Leva-lhe, então, meu retrato.
“Sou eu mesmo!” Escrevo atrás
E o resto lhe contarás.
Ora, o pato, finalmente,
Era um bicho meio gente.
Queria tirar retrato,
Mas ao menos de sapato.
(CONTINUA)
MÁRIO QUINTANA
Nenhum comentário:
Postar um comentário
SUA OPINIÃO É MUITO IMPORTANTE.