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22/01/2009

BELEZA NA TRISTEZA

RUBEM ALVES



Fui apresentado à poesia da Helena Kolody (1912-2004) poucas semanas atrás.
Foi uma descoberta gostosa.
Não porque seus poemas sejam alegres.
Todos eles têm uma pitada de tristeza.
A beleza vem sempre misturada à tristeza.
Chamou a minha atenção este mínimo poema: “Buscas ouro nativo entre a ganga da vida. Que esperança infinita no ilusório trabalho…
Para cada pepita, quanto cascalho” (”Helena Kolody”, Positivo, Curitiba).
Mantenho o hábito de ler as Escrituras Sagradas.
Leio como quem garimpa ouro.
Para achar uma pequena pepita, quanto cascalho há de se jogar fora!
Acho até que foi arte de Deus.
Foi ele mesmo quem misturou cascalho e pepitas, para separar os maus dos bons leitores.
Os maus leitores não sabem separar as pepitas do cascalho.

Tristeza será coisa que se ensine?
Haverá uma pedagogia da tristeza?
Estranho pensar que um professor, ao iniciar o seu dia, possa dizer para si mesmo: “Hoje vou ensinar tristeza aos meus alunos…”

Em meio ao cascalho, encontrei esta pepita: “Melhor é a tristeza do que o riso, porque com a tristeza do rosto se faz melhor o coração”.
Esse texto me apareceu na memória quando eu pensava sobre aquela pergunta sem resposta que deixei ao final do meu último artigo: “Como se pode ensinar compaixão?”.
A compaixão é triste?
Ensinar compaixão será ensinar a tristeza?
Tristeza será coisa que se ensine?
Haverá uma pedagogia da tristeza?
Estranho pensar que um professor, ao iniciar o seu dia, possa dizer para si mesmo: “Hoje vou ensinar tristeza aos meus alunos…” Eu mesmo nunca havia pensado nisso.

Todos os terapeutas, não importa qual seja a sua seita, em última instância, todos eles estão envolvidos em uma batalha contra a tristeza. E, agora, eu digo este absurdo, que tristeza é para ser ensinada para fazer melhor ao coração.

Os poetas me entendem. Isso porque a poesia nasce da tristeza. “Mas eu fico triste como um pôr de sol (…) quando esfria no fundo da planície e se sente a noite entrada como uma borboleta pela janela”, escreveu Alberto Caeiro, um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa.
E conclui: “Mas a minha tristeza é sossego porque é natural e justa e é o que deve estar na alma…”.

Num outro lugar, o próprio Pessoa escreveu: “Ah! A imensa felicidade de não precisar estar alegre…” Existe uma perturbação psicológica ainda não identificada como doença.
Ela aparece num tipo a que dei o nome de “o alegrinho”.
O alegrinho é aquela pessoa que está, o tempo todo, esbanjando alegria, dizendo coisas engraçadas e querendo que os outros riam.
Ele é um flagelo.
Perto dele, ninguém tem a liberdade de estar triste.
Perto dele todo mundo precisa estar alegre.
Ele não consegue estar triste, o alegrinho não consegue ouvir a beleza dos noturnos do músico francês Frédéric Chopin (1810-1849) nem sentir as sutilezas da poesia da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) nem gozar o silêncio do crepúsculo.
Porque ele está sempre alegrinho, ele não consegue sentir compaixão. Compaixão é sentir a tristeza de um outro.

Contei do menino que chorou ao ler a história “O Patinho que Não Aprendeu a Voar”. Aconteceu assim: o seu pai comprou o livro esperando que ele fizesse o filho dar muitas risadas.
Voltou no dia seguinte, muito bravo. Trazia o livro na mão, para devolvê-lo. Em vez de dar risadas, ao final da história seu filho se pôs a chorar.

A história é, de fato, triste. Eu a escrevi para o meu filho, que estava passando por uma crise de vagabundagem.
O seu prazer nas vagabundagens era tanto que ele não queria saber de aprender. O patinho também não queria saber de aprender.
Quando chegou a estação das migrações, seus irmãos bateram asas e voaram. Ele teve de ficar.

O menininho tinha razões para chorar? Não. As razões do seu choro não eram dele.
Ele sofria o sofrimento do patinho, mas o patinho não existia.
Era apenas um personagem inventado de uma história do mundo do “era uma vez”, e o menino sabia disso.
A despeito disso, ele chorava. Aqui está um dos grandes mistérios da alma humana: a alma se alimenta de coisas que não existem.

Eu havia levado minha filha de seis anos para ver o “ET”, do Steven Spielberg. No fim do filme, ela chorava convulsivamente. Jantou chorando.
Resolvi fazer uma brincadeira: “Vamos para o jardim ver a estrelinha do ET!”. Fomos, mas o céu estava coberto de nuvens.
Não se via a estrelinha do ET. Improvisei. Corri para trás de uma árvore e disse: “O ET está aqui!”. Ela me disse: “Não seja tolo, papai. O ET não existe!”. Contra-ataquei: “Não existe? E por que você estava chorando, se ele não existe?”. Veio a resposta definitiva: “Eu estava chorando porque o ET não existe”.

Volto então à pergunta que fiz sem saber a resposta.
O menino chorou ao ler a história do patinho, mas o patinho não existia.
Minha filha chorou ao ver o filme do ET, mas o ET não existia. Pensei, então, que um caminho para ensinar compaixão, que é o mesmo caminho para ensinar a tristeza, são as artes que trazem à existência as coisas que não existem: a literatura, o cinema, o teatro.
As artes produzem a beleza. E a beleza enche os olhos d’água. Como dizem as Escrituras Sagradas, “com a tristeza do rosto se faz melhor o coração”.

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