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17/10/2009

UM POUCO MAIS DE TIÃO ROCHA

QUEM É TIÃO?

Tião Rocha é seu nome, Sebastião é apelido. Antropólogo (por formação acadêmica), educador popular (por opção política), folclorista (por necessidade) e mineiro (por sorte). Fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento - CPCD, organização não governamental sem fins lucrativos, criada em 1984, em Belo Horizonte/MG


O que o senhor quer dizer com "terceirizar os problemas"?
Há um exercício que eu sempre faço com educadores.
Eu pergunto para eles: "De quantas maneiras diferentes você pode jogar a bola em um cesto?" Eles respondem um número. Então, pergunto na seqüência: "De quantas maneiras você pode educar uma criança?"
Eles dizem cinqüenta, por exemplo.
"Das cinqüenta, quantas vocês já experimentaram?", questiono.
A resposta, infelizmente, é que eles não experimentam nem dez dessas alternativas pedagógicas.
Então, antes de dizer que a culpa é da televisão, da sociedade, da fome, desses problemas que são reais, é claro, deve-se experimentar as outras 40 alternativas conhecidas para educar as crianças.
Se a escola tentar, ela vai ver que as alternativas não se esgotam, que existe a alternativa 51, 52, 53... Só no dia em que se esgotarem as oportunidades de educar seus alunos, é que a escola pode terceirizar a sua função social e dizer que o problema é do desemprego ou da crise.

Uma alternativa pedagógica que o senhor ajudou a desenvolver é o Sementinha, um projeto que cria espaços de aprendizagem embaixo de árvores. Como é esse projeto?
O Sementinha, na realidade, foi resultado de uma pergunta que nós nos fizemos anos atrás: "É possível fazer educação sem escola, no sentido físico?"
Já que a lógica era que você só podia fazer educação se houvesse escola — e como não dependia de nós construí-la —, a outra pergunta era:
"É possível fazer uma escola embaixo de um pé de manga?"
A experiência teve êxito absoluto.
Já foi avaliada, testada e recomendada internacionalmente como modelo de educação porque se descobriu o óbvio: para fazer educação de qualidade, você só precisa de gente de qualidade.
São as pessoas que fazem a educação. O resto é alegoria, é adereço. Prédio, carteira, tudo é complemento, e não a essência. O espaço físico é importante, sim, mas não significa que não se possa fazer boa educação sem ele.


O senhor acaba de mencionar o papel crucial do professor na educação, que é mais importante do que os recursos físicos e tecnológicos da escola. Como os educadores devem agir para não tratar os saberes populares de forma diferente do que tratam a ciência?

A primeira coisa é acreditar que a diferença entre saber popular e ciência é uma mentira.
O educador tem que agir com ética e relativizar os conhecimentos. Ou seja, mostrar que tanto o conhecimento científico como o tradicional são importantes.
A ciência é tão importante quanto a tradição — elas se completam e, às vezes, se negam, se justapõem e tentam ocupar o mesmo espaço.
Em segundo lugar, é preciso trabalhar com todas as possibilidades, quer dizer, dar o mesmo tempo e a mesma oportunidade de contato dos alunos com os vários tipos de conhecimento.
O mesmo valor que a escola atribui hoje à tecnologia e ao computador deveria também atribuir às tradições da comunidade. O que enraíza as pessoas são os valores culturais da sociedade, e não a Internet.
Ela é importante, mas não é a única coisa que vale.

O folclore tem um caráter lúdico muito forte. Quem pratica danças tradicionais é até mesmo chamado de brincante. Muitas escolas têm descoberto o valor da brincadeira em seu projeto pedagógico. O senhor acha que essa é uma boa porta de entrada do folclore na sala de aula?

Eu acho o seguinte: o prazer é a melhor forma de levar as pessoas a aprender.
É claro que, com brincadeiras, com alegria, aprende-se de forma mais gostosa do que com as maneiras tradicionais.
E a escola deveria deixar de ser um lugar carrancudo — um serviço militar obrigatório a partir dos sete anos — e adotar a postura de espaço onde se aprende brincando permanentemente.
Isso tanto a tecnologia quanto a cultura popular podem permitir.
O que acontece é que a tradição popular tem uma quantidade muito maior de coisas naturalmente lúdicas, como brincadeiras, jogos e danças.
Ela é muito mais lúdica, por exemplo, do que o estudo de física quântica, química orgânica ou trigonometria.
Isso não significa que não se pode ensinar a matemática de Pitágoras de uma maneira prazerosa. No entanto, cabe ao professor saber que, se ele usa o folclore na escola só por causa do aspecto lúdico, o folclore vira a brincadeira pela brincadeira.
Se for para brincar por brincar, é melhor brincar em casa, e não na escola. Na escola, é preciso brincar muito, mas para aprender. Senão, não vale a pena.

O senhor se dedica ao projeto Bornal de Jogos, que mostra como o conhecimento tradicional pode ajudar a ensinar matemática e ciências, e não só história e português, matérias em que, à primeira vista, é mais fácil inserir elementos da cultura popular. Que atividade do Bornal de Jogos o senhor citaria para mostrar que a cultura popular é eficiente no ensino de todos os conteúdos curriculares?

No Bornal, há uma série de 90 jogos que foram testados, avaliados e sistematizados. Esses jogos são chamados de "tecnologia educacional". Nós demos início à experiência e, em determinado momento, encontramos um garoto de 11 anos que estava na primeira série e era repetente, persistente e renitente.
Ele estava insistindo para aprender matemática e não conseguia, não aprendia as quatro operações básicas. Só que ele jogava damas e ganhava de todo mundo!
A nossa dúvida era: "Se joga dama e outros jogos, ele tem noção espacial, mas porque não desenvolve a noção de aritmética?"
Pegamos, então, um tabuleiro e, em vez das casinhas, colocamos números de forma aleatória e, na dama e no peão, os sinais de soma, primeiramente, e depois o de subtração e o de multiplicação.
Num instante, ele resolveu a vida dele.
Ele aprendeu porque só podia comer a peça do outro se fizesse os cálculos.
Depois, nós começamos a utilizar outros jogos, como cinco-marias, amarelinha e pular corda, para trabalhar uma série de novos conceitos de matemática, geografia e, em alguns casos, de cidadania, ética e sexualidade que os alunos precisavam aprender.

Além de auxiliar no aprendizado de certas matérias e conceitos, que tipo de ensinamento mais amplo o folclore é capaz de transmitir aos alunos?

A nossa responsabilidade é criar oportunidades para que os jovens possam desenvolver o sentido da liberdade.
Só é livre quem faz escolhas.
Uma pessoa que só escuta um tipo de música não é livre.
É um joguete manipulado por interesses. Se um menino só conhece um tipo de história, só tem um tipo de informação.
Ele não é capaz de desenvolver seu lado crítico, pois não escolhe, não decide. Ele é levado pela corrente.
Eu acho que a cultura popular e o folclore são uma alternativa, ao lado da ciência, da tecnologia e das criações eruditas, de capital e material disponível para a educação de qualidade de todo o mundo. Mas os educadores precisam assumir isso e, se assumirem, as escolas vão ser bem diferentes.

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