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04/05/2010

EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA OU MELHOR NA CIDADANIA

Rubem Alves




Me dá grande alegria estar com vocês. Eu quero começar fazendo um pedido bem simples.
Todo mundo que está com caderno e caneta para tomar nota, guarde a caneta e guarde os cadernos.
 Eu vou explicar a vocês por que.
Eu já tomei muita nota de conferências e nunca consultei as minhas notas e sei que vocês também não vão consultar as notas de vocês e, na verdade, tomar nota prejudica, não é?
 Eu tenho impressão que essa questão de tomar nota é uma espécie de tique nervoso que assola os professores.


 Eles têm a obrigação de tomar nota para dizer que estão levando a sério, mas isso é não levar a sério, por que a gente, quando está envolvido numa conversa afetuosa, é até indelicadeza tomar nota, não é?
 Eu brinco sempre: não se toma nota quando se está fazendo amor.
E toda a experiência de conversa, na realidade, é uma experiência de fazer amor.
Um dos educadores que eu mais amo é o Roland Barthes.
 Roland Barthes era um homem de uma delicadeza... todos os estudantes junto com o Roland Barthes se sentiam inteligentes porque ele tinha a capacidade de transformar qualquer coisa que o aluno falasse numa coisa bonita, ele tinha capacidade de extrair a beleza das coisas que os alunos falavam.
E ele tem um texto chamado “A Aula” – é uma aula inaugural que ele deu, quando ele estava sendo inaugurado como professor de semiologia no Collège de France.
E, ao final do seu texto, ele já estava se sentindo velho...






Deixa eu só fazer uma observação psicanalítica sobre os celulares. Sabe que psicanalista é um ser perverso, que fica dando interpretação para todas as coisas, não é?
Diz que havia uma querela entre Freud e um discípulo dele chamado Ferenczi, porque Freud fumava um charuto e então o Ferenczi ficava fazendo interpretações fálicas do charuto que o Freud tinha na boca. Mania de psicanalista.
Eu fiquei, então, pensando sobre o sentido psicanalítico dos telefones celulares e a interpretação que eu tive foi a seguinte: quando eu era menino, a diversão da gente era ir à matinê de domingo, assistir bang-bang.
E a coisa que a gente mais desejava era ter um revolvão e sair para a rua com o revólver na cintura assustando todo mundo e dando tiro. Era a fantasia infantil da gente.
Claro que a gente nunca teve revólver nem saiu dando tiro, nunca realizamos então esse sonho infantil. Mas agora, graças aos telefones celulares, os homens saem com seus coldres e os seus revólveres.
Então eles chegam no restaurante e – pum! – põem o revólver na mesa, por que pode ser que, a qualquer momento, sejam chamados, é aquela idéia de alguma coisa urgente, eu sou super, super-herói, eu tenho de agir, eu tenho de agir imediatamente, eu tenho de estar em contato com o mundo, eu sou muito importante, muito importante – de modo que eu não posso estar nem um segundo longe do contato com o mundo. Aprenda uma coisa: nós não temos a menor importância.
O mundo vai continuar do mesmo jeito, sabe?
Então, guardem os celulares para serem um pouquinho mais humildes, para poderem estar mais presentes, porque uma pessoa com celular ligado nunca está presente, ela está sempre à espera de uma chamada. Isso é ruim, não é?


Bom, eu estava falando sobre o Roland Barthes, e ele estava se sentindo velho, mas ele era bem mais moço do que eu, devia ter, eu acho, uns 55 anos.
E ao final da aula, ele disse uma coisa muito interessante: que a vida de um professor se divide em três fases. (Na verdade, ele falou vida de um professor por modéstia, era a vida dele que se dividia em três fases.) Na primeira fase, ele disse, a gente ensina o que sabe.
E é verdade, a gente ensina o que sabe, a gente ensina a criança a dar nó no sapato, a andar de bicicleta, a somar, dividir, a escrever, a gente ensina as coisas que sabe.
Esse “ensinar as coisas que sabe” é um ato de transmitir as receitas de como viver que a gente aprendeu. Parte dos nossos saberes são receitas, como receita culinária do livro da Dona Benta.




Então ele diz: mas a gente vive um pouco mais e começa a ensinar as coisas que a gente não sabe.
 Aí as pessoas perguntam: mas como é que a gente pode ensinar aquilo que a gente não sabe?
 Imagine que a minha filha me pergunte: pai, onde é que fica a Rua Sampainho?
Sampainho é uma rua lá em Campinas. Então eu digo a ela: não sei onde fica a Rua Sampainho, mas na lista telefônica tem uma série de mapas, você procura o nome da rua, na lista dos endereços, e lá tem indicação do mapa e você vai achar.




Eu não sei onde é a Rua Sampainho mas, apesar de não saber, ensinei minha filha a achar a Rua Sampainho. Essa é uma das coisas mais lindas sobre a vida de um professor.
Não é aquele professor que sabe o programa, isso é banal.
Os programas estão em livros, os professores que sabem o programa vão desaparecer: eles serão substituídos por disquetes, programas e livros.
Mas ensinar a encontrar é a coisa mais importante: isso tem o nome de “fazer pesquisa”... é isso que a gente faz, não é?
 Quando a gente está ensinando a fazer pesquisa, está ensinando a coisa que a gente mesmo não sabe.
O orientador da pesquisa é aquele que não sabe nada, quem sabe é o aluno, o aluno vai lá, visita a coisa, vem e conta para o professor e o professor aprende.
Na situação de pesquisa, o orientador se torna aluno do aluno que faz a pesquisa.




Então ele diz o seguinte: chegou agora, finalmente, o momento supremo da minha vida, eu me entrego à maior de todas as forças da vida viva.
Eu me entrego ao poder do esquecimento, procuro esquecer, desaprender tudo o que eu aprendi.
Vejam que coisa curiosa, dizer que ele, professor, de semiologia, estava se dedicando a desaprender tudo. Parece o contrário do ideal de aprendizagem, de educação, de que a gente vai cada vez saber mais.
 Ele está dizendo que queria saber menos, saber menos.

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