Conheça histórias de pessoas viciadas em jogos de azar
DE SÃO PAULO
DO SITE FOLHA EQUILÍBRIO
PROMESSAS E DÍVIDAS
Desde moleque o escritor Wilson, 58, tinha um pezinho no jogo: participava de todo tipo de competição em troca de doces ou refrigerantes.
Por volta dos 15, aprendeu a jogar baralho: em poucos anos, migrou do buraco para o pôquer. Foi nessa época que passou a apostar muito.
"Como trabalhava na empresa da família, tinha um salário bom. Comprei um Landau zero quilômetro com o que ganhei no jogo."
E foi esse mesmo carro que perdeu em uma mesa de pôquer. "Coloquei a chave e os documentos no centro da mesa e perdi", diz.
Wilson voltou a apostar para recuperar o prejuízo. E conseguiu. "Fiz mil promessas a todos os santos dizendo que nunca mais apostaria."
E foi assim durante 40 anos, até que ele teve um problema com o carro e não tinha como pagar. Resolveu arriscar R$ 0,25 em uma máquina de caça-níquel. O dinheiro ganho não só pagou o conserto do carro, como financiou a recaída. A dívida ultrapassou os R$ 200 mil.
Nos oito anos seguintes perdeu carro, casa, se separou da mulher, se afastou dos filhos e dos amigos. "Passava o Natal jogando nas maquininhas de bar. Não ia ao aniversário dos meus filhos."
Wilson só chegou ao ambulatório de jogo patológico do HC depois de tentar suicídio. Começou o tratamento em 2005. "Estou há cinco anos sem jogar, mas sei que não posso dar bobeira", diz.
FÓRMULA MÁGICA
Margarida, 51, é funcionária do Jóquei Clube de São Paulo há 25 anos e nunca imaginou que o trabalho se tornaria uma doença: ela é compulsiva por apostas em cavalos e está em tratamento médico há quatro anos.
Depois de trabalhar por oito anos como gerente de uma casa de bingo -e de nunca ter jogado por achar "coisa de velho"-, Margarida arrumou emprego no Jóquei.
No ano 2000 ela foi promovida a auxiliar de apostas: tinha contato diário com dinheiro e com apostadores.
"Eu era paga para ensinar as pessoas a apostar. Achava que tinha a fórmula mágica da vitória. Minhas apostas deixaram de ser esporádicas e se tornaram compulsivas."
Durante anos, ela teve sorte. Chegou a ganhar R$ 50 mil em um único dia. "Esse dinheiro evaporou. Eu não tinha limites. Se ganhava, queria dobrar. Se perdia, queria jogar para recuperar."
Ela só se deu conta de que estava viciada quando ligou para uma amiga, durante a madrugada, para pedir dinheiro para cobrir o desfalque no caixa do Jóquei. "Peguei dinheiro do caixa para apostar e perdi", conta.
Margarida ainda está em tratamento: afastada do trabalho, toma 300 mg de fluoxetina (um antidepressivo) por dia e faz terapia. Não pensa em voltar a trabalhar na mesma função de antes.
"Ainda não estou preparada para voltar a lidar com apostas. Tenho muito medo de ter recaída", diz.
PAGANDO OS JUROS
O aposentado Mateus, 56, foi jogador compulsivo durante dois anos. Jogou de tudo um pouco: baralho, bingo, caça-níqueis, loterias.
Todas as partidas envolviam apostas em dinheiro. O vício era tão grande que Mateus chegou a vender o carro para pagar dívidas do jogo.
Mas não foi o suficiente. Sem renda para continuar bancando suas apostas, ele entrou no cheque especial. Depois passou a pedir empréstimos em bancos.
Ficou devendo para seis administradoras de cartão de crédito, emprestou dinheiro de financeiras. Perdeu completamente a noção do que estava acontecendo.
"Eram dívidas a perder de vista. Juros em cima de juros", diz Mateus. "Cheguei a apostar um salário inteiro em um único dia", conta.
Casado e pai de um filho, Mateus diz que a família não sabia de sua condição, até o momento em que ele pediu "socorro", pois pensou em se suicidar. "Não sabia mais onde pedir dinheiro emprestado, estava desesperado."
Procurou ajuda no Jogadores Anônimos, participou de algumas reuniões e viu que ali conseguiria resolver seu problema. "Demorei para entender que o meu vício era uma doença", diz.
Nos tempos de vício, Mateus acumulou uma dívida de cerca de R$ 60 mil. Está sem jogar há oito anos e meio, mas ainda amarga o pagamento dos resquícios da dívida. "Até hoje sofro as consequências", finaliza.
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