As escolas do futuro
"O que você fez hoje na escola,
meu filho?" "Transformei um carro normal num modelo super-econômico,
papai." Esqueça as provas, a feira de ciências e a tabuada. Se a maior
parte das escolas de hoje ainda é igualzinha à dos nossos pais, as do futuro
serão muito diferentes. E algumas delas já estão funcionando.
por Reportagem: Marcos Ricardo dos
Santos e André Gravatá Edição: Karin Hueck
A escola onde tudo é um jogo
MINDDRIVE
Onde fica - Kansas City, EUA
Número de alunos – 50
Tipo - Comunitária (ONG) e gratuita
Um grupo de alunos está reunido na sala
de aulas no meio de um debate caloroso. Mas a lição aqui não é de matemática ou
história - eles estão tentando adaptar um carro normal em um modelo ecológico e
econômico. Essa é apenas uma das lições desta escola, chamada Minddrive, no
Kansas, EUA. De fato, o maior feito dos alunos por lá é ter desenvolvido um
veículo elétrico capaz de rodar 128 km com a energia equivalente à de 1 litro
de combustível. Esta não é uma escola normal, claro. O Minddrive, na verdade, é
um reforço escolar para adolescentes que não vão bem no ensino regular. Mas seu
método educativo não é tão exótico assim. Ele é todo baseado nos jogos
epistêmicos, uma espécie de RPG (role playing games), no qual os alunos simulam
situações cotidianas e pensam em soluções para os problemas que vão surgindo.
"Os desafios que as nossas escolas enfrentam hoje são importantes demais
para ficarmos isolados. Precisamos preparar os alunos para o mundo real",
diz David Shaffer, professor de pedagogia da Universidade de Wisconsin e chefe
do projeto de jogos epistêmicos para uso na educação. A ideia básica do
Minddrive é apresentar um grande desafio real aos alunos e, sob a orientação de
um instrutor, fazer com que eles encontrem as soluções para este problema. O
aprendizado viria naturalmente, como consequência do processo. De fato, depois
de entrar no reforço, quase todos os adolescentes melhoraram seu desempenho na
escola tradicional.
A escola verde
GREEN SCHOOL
Onde fica - Bali, Indonésia
Número de alunos - Cerca de 370
Tipo - Privada -
custo aproximado de R$ 2 mil mensais
Nessa escola, tudo é natural: as
estruturas são de bambu e as salas de aula, abertas, para que o calor e o vento
balineses possam entrar. Criada pelo americano John Hardy, ela se baseia na
metodologia do educador britânico Alan Wagstaff, que defende uma maneira de
ensinar que conecta aspectos racionais, emocionais, fisicos e espirituais. Na
prática, isso quer dizer que o conhecimento está dividido em temas, e não em
matérias. Por exemplo, no ensino fundamental, crianças de sete anos aprendem
"padrões de contagem" pulando corda. Em outra aula, o objetivo é
relacionar sentimento a números e acontecimentos históricos. Assim, os alunos
pensam em datas e cifras e as imaginam com as cores que quiserem. De acordo com
o método de ensino, isso humaniza o conhecimento e, consequentemente, ajuda a
memorizar os fatos. O discurso pode parecer meio hippie, mas Hardy garante que
funciona. Até porque um dos objetivos da Green School é que seus alunos saiam
de lá prontos para abrir seus próprios negócios - sustentáveis, de preferência.
Ainda durante o ensino médio, eles simulam a criação de uma empresa. E muitas
acabam saindo do papel. Rasa Milaknyte, que criou sua empresa no 11º ano
(penúltimo do ensino médio), foi um desses casos. "Meu negócio é um
serviço: ensino aikidô para crianças de cinco a 12 anos", diz.
A escola da coletividade
ESCOLA MUNICIPAL DESEMBARGADOR AMORIM
LIMA
Onde fica - São Paulo, Brasil
Número de alunos – 700
Tipo - Pública e
gratuita
Todo mundo pode participar de tudo na
escola Desembargador Amorim Lima. Os pais organizam as festas, os alunos
coordenam os debates, a diretora faz papel de tutora. Até a página do Facebook
da escola é atualizada por pais. Há inclusive um conselho em que todos têm
poder de decisão sobre rumos futuros. "A conquista do espaço público deve
ser feita por todo mundo", diz a diretora Ana Elisa Siqueira. Os alunos
estudam em grupos de diferentes faixas etárias, espalhados por grandes salões -
no maior deles, cabem mais de 100 estudantes. Parte das paredes da escola foi
literalmente arrancada: os espaços foram formados a partir da união das antigas
salas de aula, já no final da década de 1990. A lousa continua por lá, mas sem
uso: não há aulas expositivas nesses espaços - apenas as de inglês, português e
matemática acontecem por perto do quadro-negro, em salas menores. Se você entra
num dos salões, encontra vários pequenos aglomerados de estudantes, além de
professores em pé, correndo de um lado para o outro para atender aos diversos
chamados. Cada um dos jovens anda com um caderno de roteiros de pesquisa, cujo
conteúdo carrega os temas que podem ser estudados durante o ano, como
"consumismo", "comunicação e memória" e "sangue e
excreção". E adivinhe quem escolhe por onde começar e por onde terminar? O
próprio aluno, que é incentivado a ser independente.
A escola dos hyperlinks
A escola dos hyperlinks
POLITEIA
Onde fica - São Paulo, Brasil
úmero de alunos – 18
Tipo - Privada: custo aproximado de R$ 1,2 mil mensais
Um dos alunos desenvolveu um game
interativo que acompanha a jornada de zumbis. Outro, uma pesquisa sobre Albert
Einstein - durante uma apresentação, ele até explicou o que é o paradoxo dos
gêmeos, um experimento mental sobre a relatividade. Outra das alunas começou
uma pesquisa sobre cães e gatos abandonados, motivada pela sua paixão por
animais. Todos eles são estudantes da Politeia, uma escola em São Paulo que
deixa os alunos imergirem nos temas que lhes interessam. As pesquisas levam a
caminhos inimagináveis. O exemplo de Joyce Dorea, a garota de 13 anos que
decidiu pesquisar animais abandonados, é emblemático: ao se debruçar sobre o
tema, ela descobriu que muitos animais não são apenas deixados na rua, mas são
também deliberadamente maltratados. Ela então pesquisou mais o assunto e se
deparou com a seguinte história: uma cadela russa chamada Laika foi lançada ao
espaço numa nave, com um fim trágico, pois morreu durante a experiência. A
garota ficou curiosíssima para entender o contexto histórico daquele fato e
começou uma pesquisa sobre a corrida espacial. Esse assunto está diretamente
conectado com a Guerra Fria e termos que até então ela não entendia muito bem,
como "capitalismo" e "comunismo". Foi nesse momento que a
garota encontrou as tirinhas da Mafalda e seus pensamentos impregnados de
reflexões políticas - sim, a personagem virou o tema da última pesquisa da
jovem. O percurso de Joyce é apenas um exemplo entre outros na Politeia. Ele
mostra a lógica do hyperlink: de um ponto para outro e para outro, num percurso
imprevisível, aprendendo no meio do caminho. O desenvolvimento das pesquisas é
feito com a ajuda de tutores e professores. "Durante as pesquisas, o
professor precisa entrar no papel de aprendiz, aceitando que não sabe tudo e
aprendendo junto com o estudante", conta Yvan Dourado, um dos tutores.
A escola high tech
VITTRA
Onde fica – Suécia
Número de alunos - 8 500, em mais de 30 unidades
Tipo - Pública e
gratuita
Quando você anda por uma das unidades
da Vittra, vê crianças com computadores por todo lado. Ao se matricular, cada
aluno recebe um notebook de última geração, desde os seis anos. Os aparelhos
então são usados em atividades como o projeto Future City. Nele, cada aluno
cria um avatar e escolhe características e habilidades que considera
importantes para si. Juntos, os personagens criam uma cidade, desenhando a
infraestrutura física e estabelecendo relações sociais, incluindo a criação de
leis e a realização de eleições. As atividades em grupo misturam crianças de
diferentes idades e níveis de conhecimento, e os alunos as escolhem a partir de
seus interesses. Em uma aula sobre o corpo humano, por exemplo, são as crianças
mais velhas que ensinam as mais jovens - e podem usar o que quiser para isso:
livros, animações ou apresentações digitais. "Ensinar alguém é uma ótima
forma de aprender", explica a professora Frida Monsén. "Observamos
que os alunos dão o seu melhor quando sabem que o trabalho é para seus colegas
e não apenas para o professor", diz.
A escola do YouTube
KHAN ACADEMY
Onde fica - Na internet
Número de alunos - 43 milhões
Tipo – Livre
Em 2004, nos EUA, um jovem americano chamado Salman Khan, filho de mãe indiana e pai de Bangladesh, queria ajudar sua prima, que morava na Índia, a estudar matemática. Como estava longe, gravou umas aulas em vídeo e as publicou no Youtube, para que a prima pudesse acessar suas explicações. Mas ele não esperava que suas aulas fossem virar hits. Khan começou a receber pedidos para que gravasse vídeos de outros assuntos. Assim surgiu a Khan Academy, hoje uma febre mundial. A Khan disponibiliza gratuitamente na internet mais de 3 200 aulas em vídeo e animação. Somados, eles já têm mais de 200 milhões de visualizações. Algumas escolas dos EUA (e do Brasil tambem!)utilizam os vídeos da Khan na sala de aula - o que aponta para uma sutil e gradual tendência de, aos poucos, substituir as tradicionais aulas com lousa e giz. "O velho modelo simplesmente não atende mais às necessidades das pessoas," diz Salman Khan. "É uma forma de aprender essencialmente passiva, mas o mundo requer uma maneira mais ativa de processar informação. E a tecnologia oferece isso."
A escola onde o aluno decide o que fazerSÃO TOMÉ DE NEGRELOS (conhecida como Escola da Ponte)
Onde fica - Vila das Aves, Portugal
Número de alunos – 220
Tipo – Pública
A escola tradicional se baseia na ideia
de que o aprendizado segue um caminho mais ou menos igual para todos. Por isso,
temos a divisão em turmas por idade, currículos padronizados e provas iguais
para todos os alunos. Mas há quem discorde: algumas teorias da educação
entendem que cada aluno é único e deve ter autonomia para aprender. Com base
nessa ideia, surgiu em Portugal, em 1976, a Escola da Ponte, que fica numa vila
a 30 km do Porto. A escola não tem salas de aula, não separa o conteúdo em
disciplinas, não demarca horário para iniciar ou terminar uma atividade.
Funciona assim: os professores apresentam aos alunos uma variedade de temas.
Cada um escolhe um assunto que mais lhe interesse e diz se quer trabalhar
sozinho ou em grupo. Todos dividem o espaço da escola, espalhados por grupos de
mesas. Se preferirem, podem fazer as atividades ao ar livre. "Os alunos
gerem, quase com total autonomia, os tempos e os espaços educativos. Escolhem o
que querem estudar e com quem", explicou José Pacheco, fundador da escola,
em palestra recente no Brasil. Ao final de cada dia, há uma espécie de
assembleia geral, onde os alunos compartilham com os colegas o que aprenderam.
Quando sentem que estão preparados para fazer uma prova, definem quando vão
fazer o teste, individualizado para cada um, levando em conta a lista de
conhecimentos adquiridos. Parece o paraíso na Terra, mas nem todos se adaptam
ao modelo. Há aqueles que desistem, e acabam voltando ao sistema tradicional.
Mas a metodologia da Escola da Ponte convenceu o governo português, que valida
seu diploma como o de qualquer outra escola.
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