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18/11/2016

ROSA PARKS


 por Adriana Maximiliano DO SITE HISTÓRIA ABRIL.


No estado americano de Michigan, a primeira segunda-feira depois do dia 4 de fevereiro sempre é feriado. 
Dia de Rosa Parks. 
Ela se tornou a primeira pessoa de seu país a conquistar tal honraria em vida.
 Logo virão outras homenagens, mas, infelizmente, Rosa não estará mais presente para recebê-las. 
Na noite do último dia 24 de outubro, a chamada “mãe do movimento pelos direitos civis” morreu de causas naturais, na cidade de Detroit, Michigan, onde vivia desde 1957. 
Entre dezenas de prêmios, ela recebeu do então presidente Bill Clinton, em 1999, a Medalha Presidencial da Liberdade – a maior condecoração oficial que um civil americano pode ganhar.




Tudo começou em Montgomery, no Alabama. 
Nos anos 50, o sul dos Estados Unidos não era nada agradável para uma senhora negra de 42 anos. 
Muitos estados ainda viviam sob segregação racial legalizada, que incluía destinar os assentos traseiros dos ônibus aos negros e os dianteiros aos brancos. 
Se faltassem lugares, os negros tinham que ir em pé, na parte de trás. 
No dia 1o de dezembro de 1955, a costureira Rosa Parks saiu do trabalho numa loja de departamentos e sentou no primeiro banco para “pessoas de cor”, no meio do ônibus.






Três paradas depois, o veículo encheu e faltou lugar para um homem branco.
 O motorista ordenou que quatro passageiros negros cedessem seus lugares, mas Rosa continuou sentada.
 Em vez de ir para casa, ela foi para a prisão.
 Acabou sendo considerada culpada, pagou fiança e, dias depois, perdeu o emprego. 
O caso foi o estopim para que, sob a liderança de Martin Luther King Jr. (até então um desconhecido pastor local), a comunidade negra de Montgomery decidisse boicotar os ônibus. 
O caso repercutiu em todo o país e, em 21 de dezembro de 1956, a Suprema Corte declarou inconstitucionais as leis racistas do Alabama. 
Nesta entrevista, concedida no início de outubro, Rosa falou sobre essa primeira vitória – e sobre sua incansável luta contra o preconceito.



História - Já se passaram 50 anos desde o dia em que a senhora se negou a dar o lugar para um homem branco num ônibus de Montgomery.
O que mudou na vida do negro americano neste meio século?




Rosa Parks - As relações raciais melhoraram muito. 
Quando aconteceu o incidente do ônibus, a escravidão já tinha terminado havia quase um século (a abolição nos Estados Unidos aconteceu no dia 6 de dezembro de 1865 ), mas os negros ainda não podiam freqüentar os mesmos restaurantes que os brancos, as mesmas escolas, os mesmos mercados... 
Nem mesmo votar ou sentar nos mesmos assentos do ônibus. 
Vivíamos uma segregação racial legalizada e andávamos de cabeça baixa. 
Os brancos pensavam que eram superiores e não houve um único dia em que eu não tenha me sentido humilhada. 
Hoje, temos os mesmos direitos que eles.
 Mas ainda há muita desigualdade e injustiça. 
O caminho é longo.

Nos seus livros Rosa Parks: My Story e Quiet Strength (“Rosa Parks: Minha História” e “Força Silenciosa”, ambos inéditos em português) , a senhora deixa a impressão de que o incidente do ônibus não foi surpresa para ninguém, já era esperado.
 A senhora sabia o que estava por vir?

Eu não imaginava que ficaria envolvida até o pescoço no Movimento Pelos Direitos Civis e muito menos que meu ato naquele dia teria um impacto tão grande. 
Mas já ansiava e lutava por mudanças há muito tempo. 
Nós éramos maioria, o sistema de ônibus dependia da gente. 
E obedecíamos às regras deles sem questionar. 
Anos antes do incidente que deu origem ao boicote, eu tive problemas com o mesmo motorista (todos os passageiros negros eram obrigados a entrar pela porta da frente para pagar a passagem, sair do ônibus e entrar de novo por trás. 
Não era raro o motorista ir embora antes que todos tivessem entrado.
Em 1955, estávamos mais unidos e conseguimos chamar a atenção de todos para a minha prisão, a nossa situação e, claro, para o boicote.
 O incidente não foi planejado, mas já era esperado por causa de toda a tensão que havia entre negros e brancos na época.

Quais são as lembranças que a senhora tem dos 381 dias de boicote?

A cada dia, eu sentia nosso povo mais unido. Martin Luther King Jr. (porta-voz do movimento) comoveu o país com a nossa causa e, apesar da resistência dos brancos, eu não tinha dúvida de que venceríamos.
 Nós tínhamos outras opções, como ir a pé ou de carona para o trabalho.
 Já o sistema de transporte não, pois poucos brancos andavam de ônibus.
 Sem os negros, os prejuízos foram enormes.
 Eu perdi meu emprego pouco depois do início do boicote e passei a trabalhar em casa, me dedicando totalmente à luta pelos direitos civis. 
Para todo o nosso povo, foi um período difícil, mas cheio de esperança.


Mas os problemas dos negros não acabaram junto com o fim do boicote.
 Em 1957, a senhora teve que se mudar para Detroit com seu marido, por causa das constantes ameaças de morte em Montgomery.
Trinta anos mais tarde, criou o Instituto Rosa Raymond Parks para o auto desenvolvimento. 
Quando a senhora acha que a luta vai acabar?

Enquanto existir gente que não acredita em liberdade e justiça para todos, meu trabalho não terá terminado.

Como é o trabalho do Instituto?

Temos uma pequena equipe e muitos voluntários maravilhosos.
 Desde 1987, trabalhamos com mais de 6 mil crianças e jovens entre 11 e 17 anos. São pessoas de diferentes etnias e origens. 
O programa Pathways to Freedom (“Caminhos para a Liberdade”), por exemplo, reúne jovens do mundo inteiro no verão. 
Nosso trabalho é fazer com que cada um descubra o que há de melhor em si mesmo.

Aos 92 anos, a senhora continua participando de eventos do Instituto. Essa luta nunca a cansou?



Nunca. Tenho um amor verdadeiro pela minha causa, o que não me deixa cansar. 

Dediquei 17 anos da minha vida ao Instituto. 
Há três anos me aposentei, porque tinha certeza de que meu projeto seguiria firme com as pessoas que estão lá.
 Mas, sempre que posso, participo de encontros com jovens do Instituto. 
Acho que é importante para eles conhecerem de perto minha história. 
São sempre encontros emocionantes.

A senhora recebe os jovens na sua casa, em Detroit?

Minha casa era a sede do Instituto em 1987, quando eu e Elaine (Elaine Eason Steele, amiga de Rosa Parks há mais de 40 anos) o fundamos. 
No ano seguinte, ele passou para a Cadillac Square, também em Detroit. 
Mas minha casa até hoje é um local de reuniões para jovens e idosos.




Um estudo da Universidade de Harvard, o Civil Rights Project (“Projeto sobre Direitos Civis”), revelou que as escolas americanas estão sofrendo uma nova segregação racial desde o “Caso Dowell”, de 1991, quando a Suprema Corte americana autorizou a volta do zoneamento das escolas por bairros. 
Em dez anos, a integração de negros nas escolas de maioria branca caiu 10%. 
Como a senhora vê esse fenômeno?

Com um desgosto terrível. É um pesadelo ver crianças crescendo separadas por raças.

O que a senhora acha dos jovens que participam de organizações racistas espalhadas por todo o seu país – e pelo mundo –, como os neo-nazistas e os seguidores da Ku Klux Kan?

Eles não sabem que quem sente ódio está destruindo tanto o outro quanto a si mesmo. 
Mas eu estou conscientede que sempre vai haver sofrimento no mundo e pessoas que escolhem odiar. 
Por isso é importante ouvir a voz da paz. 
Eu acho que nós perdemos gerações quando não enchemos os corações dos jovens de paz e de objetivos positivos.

Qual a imagem que a senhora tem de Martin Luther King Jr.?

A de um homem forte, carismático e determinado a dar a vida pelos seus ideais.
 Eu não estaria dando esta entrevista agora se meu caminho não tivesse cruzado com o de Martin Luther King no episódio do ônibus.

Entre os políticos e artistas negros que estão em evidência hoje, há alguém que a senhora admire pela luta contra o racismo nos Estados Unidos?

São muitos e, infelizmente, nem todos são conhecidos da grande mídia. 
É melhor nem começar a listar. 
Estou com 92 anos e, você sabe, a chance de a memória falhar e eu esquecer alguém é grande.

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