Por incrível que pareça, nem todo profissional sabe exatamente qual o objetivo maior do seu trabalho. E, algumas vezes, mesmo sabendo, coloca o objetivo do seu departamento acima daquele que deveria ser maior, que é o da empresa a que serve.
Um exemplo: há publicitários que fazem comerciais para ganhar prêmios em Cannes – e não para vender o produto que deveriam anunciar. O filme fica lindo, muito criativo, engraçado ou emocionante – mas...anuncia mesmo o que? Foi-se o objetivo-fim.
Um competente diretor de eventos de uma indústria automobilística idealiza a mais fantástica festa de lançamento de um novo modelo de carro. Planeja tudo nos mínimos detalhes, contrata os mais criativos promotores de eventos, as mais famosas atrações, o mais sofisticado coquetel, imagina os mais atraentes materiais gráficos e as mais luxuosas decorações... A poucas semanas do evento, recebe da Matriz uma ordem para cancelar tudo, tendo em vista inesperada e grave crise financeira.
O mundo do diretor de eventos desaba! Cancelar sua obra-prima? Jamais! Como deixar de apresentar ao mundo sua fantástica e maravilhosa festa de lançamento? Ele se recusa a obedecer a ordem da Matriz, embora as razões que lhe são apresentadas para o cancelamento sejam absoluta e rigorosamente incontestáveis, pois imporia à empresa riscos fatais. Apesar disso, o diretor insiste, discute, briga. Ou seja, sua vaidade pessoal e profissional ficou acima da necessidade da empresa à qual deveria servir.
Esse exemplo poderia ocorrer no contexto de organizações bancárias, comerciais, tecnológicas – qualquer uma. Todas elas possuem um objetivo e este deve ser entendido com clareza por todos – ou surgirão desvios.
A esse desvio do objetivo maior em favor de um objetivo menor costumo chamar de “Efeito Kwai”, porque o absorvi de um extraordinário filme de 1957, vencedor de 7 Oscar, incluindo Melhor Filme e Diretor, chamado “A Ponte do Rio Kwai”. Nele, durante a Segunda Guerra Mundial, o Coronel Nicholson (Alec Guinness) e sua tropa são aprisionados pelos japoneses num campo do Pacífico.
Forçados a construir uma ponte sobre o Rio Kwai, o Coronel decide fazê-la muito bem feita, a fim de humilhar os japoneses e deixar clara a superioridade britânica. Ele quer provar que pertence a uma cultura superior, sem se dar conta de que a referida ponte será usada para o transporte de tropas e armamentos dos japoneses - portanto, contra os próprios ingleses !
Quando o alto comando americano envia o oficial interpretado por William Holden para destruir a ponte, já que se trata de peça vital e perigosa do ataque japonês, cria-se um violento choque entre Holden e Guinness, que não suporta a idéia de ver destruída a sua obra-prima. E assim a defesa da sua pátria ficou em segundo plano...
Essas atitudes, certamente que em menor escala e dramaticidade, ainda existem em muitas organizações. Quando uma empresa faz um dramático apelo para que certas ações e decisões sejam tomadas pelos gestores e essas ações e decisões contrariam mirabolantes planos isolados de áreas específicas, estas resistem em obedecer (ou até boicotam dando a impressão de que obedeceram). Tais atitudes podem significar duas coisas: ou esses gestores não têm a verdadeira compreensão do seu papel na organização – ou são por demais incompetentes para não perceberem que não adianta enfeitar o camarote se o navio estiver afundando.
O “efeito Kwai” costuma aparecer com mais freqüência em, por exemplo, programas de redução de custos e contenção de despesas. Durante essas campanhas internas em que verbas são reduzidas e projetos são suspensos ou cancelados, alguns gestores resistem em deixar a zona de conforto ou em abrir mão de projetos e interesses pessoais em favor da necessidade maior e prioritária da empresa a que servem.
Numa organização de qualquer natureza, nenhum programa, plano ou projeto é maior ou mais importante do que as ações que respondem pela sua sustentabilidade, saúde e sobrevivência. Este deveria ser o objetivo maior de todos.
O profissional que não entender isso, ainda tem muito a aprender e a crescer. E é isso que ele deveria fazer com urgência, antes de assumir postos do qual se espera comprometimento, compartilhamento... e bom senso.
Floriano Serra é psicólogo, diretor de RH e Qualidade de Vida da APSEN Farmacêutica, eleita pelo 5o. ano consecutivo "uma das Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil" (Revistas EXAME- VOCÊ SA/FIA e ÉPOCA/GREAT PLACE TO WORK).
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