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16/02/2009

AS CRIANÇAS NÃO SÃO DE CRISTAL



Todo início de ano letivo é a mesma lengalenga: pais e escolas entram numa queda- de- braço por um motivo ridículo.
Coordenadores e professores perdem horas atendendo pais que têm mil e um motivos para tentar convencer a escola de que é preciso trocar seu filho de turma.
Como o fenômeno se repete exaustivamente, talvez seja interessante pensar nas razões para que ele ocorra. Sabemos que, no mundo contemporâneo, a relação entre pais e filhos é marcada pela proteção exagerada que tenta poupar os mais novos de situações que possam provocar dor, sofrimento, frustração e adaptação ou que exijam o enfrentamento de dificuldades, obstáculos e conflitos.
Os pais querem que os filhos vivam num mundo de faz- de- conta.
Por quê? Talvez porque acreditem que seus filhos não sejam capazes de viver a vida como ela é. A vida nem sempre é justa, o mundo não é acolhedor, e crescer dói.
Inclusive no corpo.
Na fase do estirão, os adolescentes não reclamam de dores nas pernas e no joelho, por exemplo?
É a "dor do crescimento", dizem os médicos.
Mas os pais não querem saber desse mundo real. Querem, pressionados pela nossa cultura, que seus filhos sejam felizes.
E, numa época em que a vida social tem sido cada vez mais restrita e em que os outros são sempre uma ameaça, os pais querem que o filho se sinta sempre como se estivesse em família.
A situação vivida por crianças e jovens de classe média assemelha- se à vida em bolhas.
As escolas, por sua vez, antenadas em demasia com essa demanda dos pais e elas mesmas submetidas sem crítica à mesma cultura, decidiram que o melhor para seus alunos é que eles sejam felizes.

Para tanto, escolheram trilhar o mesmo rumo da família.
Assim, em vez de incentivar relações de coleguismo impessoais, mas justas, solidárias e respeitosas, optaram por estimular relações de amizade - portanto, afetivas.
Esse é o eixo em torno do qual funciona a tarefa educativa da família, não é?
Nada a estranhar, portanto, no fato de as escolas almejarem ser uma segunda família.
O problema é que, quando um aluno é transferido de turma, no ano letivo seguinte, sente- se rejeitado, solitário e excluído dessa "família" que foi incentivado a ter como sua.
Por isso, reage com reclamações e resistências, e os pais, claro, imediatamente correm em seu socorro.
Quando, no início das aulas, acontece essa aglomeração agitada de pais que solicitam a mudança de turma para o filho, a escola reage como se apenas os pais fossem responsáveis por esse fenômeno e não os poupa de julgamentos apressados e ácidos.
A escola costuma moralizar o comportamento de seus alunos e, também, dos pais deles. Expressões como "mãe super protetora", "família desorganizada ou desestruturada" e "pais ausentes" são alguns exemplos desse moralismo praticado pela escola.
Mas ela precisa saber que é parceira dos pais na construção desse fato que se transforma em problema.
A questão é que as crianças não são de cristal, para usar a expressão de um colega. Elas têm potencial para enfrentar as viissitudes da vida - mudança de classe na escola, distanciamento de alguns colegas queridos, separação de alguns amigos feitos no espaço escolar.
Aliás, não apenas têm potencial como devem aprender isso enquanto têm suporte, enquanto são tuteladas pelos adultos.
Os pais podem ficar tranqüilos quando o filho passa por uma situação desse tipo.
Não é preciso que o poupem de viver essa experiência; é preciso que o encorajem a superar as primeiras dificuldades que encontra para conviver com o novo grupo.
Ao final do processo, o filho só terá a ganhar em relação à imagem que faz de si mesmo.
A escola, por sua vez, precisa assumir sua parcela de responsabilidade e parar de culpar os pais por tudo o que acontece na escola que ela acredita que não deveria acontecer. A escola não é apenas vítima dos problemas que enfrenta.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (ed. Publifolha)

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