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10/10/2009

PEDAGOGIA DA RODA

Para enfrentar o problema da falta de salas de aula, a comunidade de Curvelo, MG, se uniu a uma ONG para reinventar a forma de ensinar e aprender, substituindo a construção de tijolos pela construção do saber.
Assim nasceu a Pedagogia da Roda, que contribui para a formação de cidadãos completos, conscientes da importância dos valores coletivos da comunidade.




DA FOLHA ONLINE

Folha - Como surgiu a pedagogia da roda?
Tião Rocha - No exercício de manter os alunos interessados e combater a evasão, descobrimos a pedagogia da roda. Todo mundo se vê, não tem dono, a roda tem uma idéia que pertence a todo mundo, todo mundo mundo é educador e a roda não faz eleição, faz consenso.

Tudo que é levado à roda pode ser estudado e aprendido, só tem que organizar o momento. O que não queremos aprender hoje vamos aprender amanhã. Não exclui nada, não joga nada fora. Não tem seleção, não tem exclusão, não tem vitória da maioria. A roda constrói uma pauta, estabelece um processo, uma avaliação e faz a memória. Ela pensa, age e volta. Foi um jeito de praticar Paulo Freire.

Isso surgiu como uma experiência, não foi uma solução mágica. Eleição é legal do ponto de vista democrático, mas, do ponto de vista educacional, é excludente. Quem propõe uma idéia e é derrotado duas ou três vezes, acaba não voltando. Mas não podemos perder ninguém. O que a gente faz? Vamos mudar o jeito. Tudo o que for falado a gente vai estudar.

As pessoas começam a ter uma participação qualitativa, todo mundo querendo trazer boas contribuições. E paramos de perder gente da roda.

Folha - E a pedagogia do sabão?
Rocha - Ela surgiu há 23 anos lá em Curvelo (MG). Eu fui chamado para interagir com as escolas públicas da prefeitura. Recebi uma pilha de relatórios. Todos listavam as necessidades: material de limpeza, água, comida e por aí vai.

Até que a dona Margarida, uma professora leiga, chegou perto de mim e falou: "Na minha lista tem um bocado de coisa que eu posso fazer. Sabão, detergente". Eu estranhei e perguntei como fazia sabão. Ela falou: "Eu não acredito que um cara que estudou até na universidade não sabe fazer sabão". Pois eu não sabia.

Logo ela contou que, para fazer sabão, não ia precisar de nada, pois tinha tudo na escola. Ora, e por que ela não fazia? "Pode?", ela perguntou. Eu respondi: "Pode, pode tudo".

Passadas umas duas semanas, o sabão que ela fez com os meninos da quarta série rendeu tanto que metade ficou para a escola e metade foi para as famílias dos meninos. Os pais queriam mais. E eu disse: "Vai fazer sabão com eles".

Passado um tempo, ela tinha feito 15 tipos de sabão: de abacate, de mamão, de pequi etc. Em três meses, eram 85 itens. Hoje são mais de 1.700 itens de tecnologia de baixo custo.

Depois eu percebi que aquilo tinha virado um pretexto para falar da vida. Passei a usar pretexto para as reuniões de comunidade: fazer sabão, fazer remédio etc. Virou um ritual em que as pessoas deixam um lugar de consumidor e passam a um lugar de produtor.

Comecei a adotar isso em tudo. Com os meninos do projeto Ser Criança, que eu juntei pela primeira vez há 22 anos lá em Curvelo, propus uma aposta: no dia em que a gente não conseguisse inventar os próprios brinquedos, eu começaria a comprar. Nunca perdi. O lixo limpo vira sucata, a sucata vira matéria-prima. Até que virou negócio, uma fabriqueta de brinquedo. A partir da pedagogia do sabão, criamos uma cooperativa que cria brinquedos.

Folha - E aí surgiu a pedagogia do brinquedo?
Rocha - Esse processo gerou esses jogos todos, a "damática", por exemplo, que surgiu para resolver problema de aprendizado. Hoje temos os bornais de jogos, com mais de 150 jogos diferentes. E a gente podia fazer isso com os recursos disponíveis. E tudo tem que ter pelo menos duas funções. No caso dos brinquedos, eles são aproveitados para o ensino. É muito mais gostoso aprender brincando. O que a gente faz é pensar como o brinquedo pode ser construído e como ele pode ser usado para tornar o aprendizado divertido, encantador.

Folha - E a pedagogia do abraço?
Rocha - Ela surgiu em 1995, quando a gente teve uma crise conceitual grande. Na avaliação de final de ano, fomos falando da horta, da brinquedoteca. Até que eu perguntei por que estávamos falando de horta se o objetivo daquele projeto era promover a auto-estima.

Deu aquele branco em todos nós. Resolvemos fazer uma parada estratégica. Por que a gente falou que queria promover a auto-estima? Como eu sei se uma pessoa está com a auto-estima alta ou baixa? Qual é o indicador? Pronto, o projeto parecia uma enganação...

Listamos uns indicadores que eram consenso na roda e fomos ver se as atividades ajudavam na auto-estima. O futebol, por exemplo, se não tivesse nada a ver com auto-estima, precisaria ser tirado do projeto. Mas isso era um problema: significaria perder os meninos.

Então mudamos as regras do jogo. No futebol da Fifa, o grosso não se dá bem. Como incluir? Inventamos um futebol amarrado pelos braços e pelas pernas. Duas pessoas formam um único jogador. No jogo amarrado, a primeira coisa é aprender a andar. Depois, a respeitar o outro, ser solidário. Era muito divertido, fazia um bem.

A partir daí, inventei outro jogo. Eu chegava perto de um menino ou uma menina e, se estivesse bem arrumado, eu dava um abraço bem apertado. Se não tinha se cuidado, eu cumprimentava de longe.

Era uma brincadeira, uma provocação. Mas isso foi fazendo com que eles se arrumassem para conseguir o abraço. A conta de água aumentou, demandaram xampu, queriam pintar as paredes. Aquilo fazia bem. Virou a pedagogia do abraço.

Quando chegava em grupos que tinham mais dificuldade, fazia oficina de cafuné, pois tinha gente que não sabia o que era cafuné. O que chamamos de pedagogia do abraço é esse exercício permanente de acolhimento em relação ao outro.

2 comentários:

  1. Esta é a loucura mais sã que já tomei conhecimento, algo que me encantou...rs.
    Parabéns!

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  2. parabéns,,, que exemplo magnifico....

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