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O MEU SENTIMENTO É O DE UM GARIMPEIRO, QUE BUSCA DIAMANTES, E QUANDO ENCONTRA NÃO CONSEGUE GUARDAR PARA SI.
18/10/2011
NÃO É MEU
José Pacheco
Crônicas publicadas na Revista Educação, entre 2007 e 2009 (Edições 123 a 151)
http://revistaeducacao.uol.com.br/default.asp
Sobre a arte de desincumbir-se
Primeira situação: o moço havia chegado à sua nova escola nesse dia, expulso de outra e bem recomendado: "é uma
criança mimada e desobediente".
Quando pendurou o casaco, derrubou dois e não fez menção de os apanhar.
Fui ao seu encontro. Olhei para os casacos caídos. E o moço falou: "não fui eu!"
Fitei-o, calma e insistentemente.
O moço voltou à fala: "não são meus!"
Voltei o meu olhar para os casacos.
O moço voltou atrás, apanhou-os e pendurou-os nos cabides de onde os tinha
arrancado.
No fim da tarde, uma senhora entrou na escola, dirigiu-se ao vestiário, pegou no casaco do moço, atirando um outro
casaco ao chão.
Não se abaixou para o apanhar.
Segunda situação: portas fechadas, o avião acabava o abastecimento de combustível. A tripulação avisava ser proibido
o uso de celulares. Os celulares tocavam e muitos passageiros faziam ouvidos de mercador, ligando para familiares e
amigos.
O avião chegou ao final da pista, preparava-se para decolar.
A aeromoça insistia: "minha senhora, faça o favor de
apertar o cinto da sua filha".
"Ela não deixa colocar o cinto. Não consigo convencê-la."
Quando a mamã insiste - "Vá lá, meu anjinho, deixa mamãe pôr o cinto!" - apanha uma sonora bofetada do seu anjinho.
Encolhe-se. Sorri para a aeromoça:
"não vê que é uma criança..." E, durante toda a viagem, sapatos sujos em cima do assento, a criança premiu o botão de chamada, arrancou e destruiu tudo a que pode deitar a mão. Impunemente.
O avião aproximava-se da manga de desembarque.
Três vezes a aeromoça apelou: "por favor, permaneçam sentados
até a paragem completa da aeronave".
Repetiu o apelo em língua inglesa. Os passageiros levantados não voltaram a sentar-se. Presumo que fossem surdos, ou que não fossem ingleses...
Terceira situação: um jovenzinho de aspecto boçal descalçou-se, inundando o ônibus de um cheiro nauseabundo.
Pousou um pé no espaldar do assento à frente.
A passageira da frente sentiu o contacto do pé (e do odor), encolheu-se e voltou o rosto para a janela.
A moral da história... Provavelmente, quase todos os protagonistas destes episódios exemplares terão andado na
escola.
Certamente, os jovenzinhos tiveram pais, parentes e amigos. Educação não tiveram. Quem os ajudou a crescer?
A Hannah Arendt dizia que as pessoas que não quisessem ter responsabilidade pelo mundo não deveriam ter filhos e
que "os pais não exercem a sua autoridade e deixam os seus filhos nas mãos de chefetes que os lançam no conformismo e na delinquência".
A educação deveria começar na "domus" e continuar no seio da escola e da cidade, porque os filhos não nascem com
manual para uso dos pais e urge assegurar o preceito de Napoleão: a educação de uma criança começa 20 anos antes de ela nascer. Porém, os infantes são guetizados em instituições de rituais sem sentido e entregues à TV, às consolas de jogos, à internet.
Será preciso proteger as crianças da demissão das famílias?
Ter-se-á de inibir o poder paternal?
A escola pode ser um lugar de reparação dos males da deseducação, quando instituir estruturas de convivencialidade,
um permanente e equilibrado diálogo com as famílias.
Quando for um lugar onde a autoestima ande a par com a
heteroestima, onde cada ser seja individualmente responsável pelos atos de todos os outros.
Onde autoridade rime com liberdade e a firmeza possa rimar com delicadeza.
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