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12/10/2008

CRIANÇAS



Rubem Alves fala a minha Alma.
Ele todo dia me assombra com os seus pensamentos...
Por isso eu e aquela que mora em mim, o chamamos de "Nosso filósofo" preferido...


A Thais é a minha esposa e companheira. Gosto mais da palavra companheira.


Ela vem do Latim, cum + panis e quer dizer “pessoa que come pão comigo”. Não é por acidente que comer o mesmo pão seja o símbolo da fraternidade cristã.

Mas é claro que se trata de metáfora. Comer juntos o pão que se vende na padaria não traz fraternidade.

Fosse assim e seria fácil reconciliar os inimigos; bastaria que eles comessem do mesmo pão.

O pão da padaria vai diminuindo à medida em que se come e, quando o pão fica pouco, o comer juntos pode se degenerar em briga pelas migalhas...

O pão que os companheiros comem não diminui à medida em que é comido.

Pelo contrário, ele vai crescendo cada vez mais. “Comer o pão que o Diabo amassou”: esse ditado popular sabe que o Diabo é bom padeiro.

Até tentou Jesus sugerindo-lhe que transformasse pedras em pães. Jesus respondeu dizendo que sabia fazer pães de outro tipo. Fazia pães com palavras. “Não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”.

Palavra que sai da boca de Deus tem o nome de poesia. Aqueles que juntos comem poesia são companheiros. Têm prazer nas mesmas palavras.

A palavra que mais nos comove é “criança”.

É o assunto sobre que mais conversamos.

A Thais, se pudesse, criaria um orfanato. As crianças e os velhos são as classes mais oprimidas da sociedade.

São fracos fisicamente, ninguém presta atenção no que eles dizem e estão à mercê dos opressores.

Ah! Os políticos de esquerda vivem falando nas classes oprimidas!

Eu ficaria feliz se visse nos seus manifestos referências às crianças e aos velhos como classes oprimidas. Mas crianças e velhos não são mencionados. Talvez porque falte às crianças e aos velhos uma qualidade política, eles não têm potencial revolucionário.

Nunca empunharão armas. Me contestarão: “Não são oprimidos. As crianças têm os pais para protegê-las. Os velhos têm os filhos para cuidar deles...”. Esses que assim falam deveriam ler as ternas meditações de Janucz Korczak, o mártir dos órfãos.

Lá está escrito: “Quantas crianças há que são órfãs dentro das casas dos seus pais!”.

Nem o Livro Sagrado as protege. Há um mandamento que ordena que os filhos honrem os seus pais. Mas não há nenhum mandamento que ordene que os pais honrem os seus filhos.

Com freqüência maior do que imaginamos, os pais são os opressores das crianças.

Dentro de suas casas, elas são submetidas a todos os tipos de abuso: gritos, humilhações, sadismo, abuso sexual e o medo.

Sim, medo! Não existe nada mais triste que os olhos de uma criança amedrontada. O que mais dói numa criança não é o castigo. É o se sentir órfã, abandonada, sem ninguém que as socorra. Pois se o pai ou a mãe são os seus algozes, quem poderá salvá-las?

O pão que eu e Thais comemos juntos tem uma pitada de pimenta, de que gosto. É que não concordamos muito na teoria. Minha cabeça foi deformada pelo cristianismo que acredita que toda criança tem, dentro de si, por nascimento, uma cobra venenosa enrolada, pronta a dar o bote.

A cerimônia presbiteriana de batismo contém essa pergunta que deverá ser respondida pelos pais da criancinha a ser batizada: “Credes que sois nascidos em pecado e por isso mesmo incapazes de fazer o bem?”. Os pais têm de responder: “Cremos...”.

Vale para os pais. Vale também para a criancinha adormecida. E ninguém grita de horror... É para isso que é necessário o batismo; para matar a cobra que Satanás colocou dentro de todas as crianças pelo pecado original.

Minha deformação não é tão bruta assim. Mas suspeito que, ao nascer, já existe em nós a semente do que seremos.

Poeta já nasce poeta. Músico já nasce músico. Educador já nasce educador. Em outras palavras, eu acredito que a educação tem seus limites.

A semente está lá: posso regá-la para que germine, posso adubar, posso colocar estacas e podar. Mas não há cuidado que transforme uma pitangueira em mangueira. Assim creio eu, contra a vontade; porque nem sempre aquilo em que acreditamos é aquilo em que gostaríamos de acreditar...

A Thais trabalha com uma psicologia generosa. Ela acredita que os cuidados do jardineiro podem transformar espinheiros em rosas...

Há uma tela deliciosa (chamo de deliciosas as telas que me fazem sorrir... ) de Magritte: ele, pintor, está diante da tela, pintando. O seu modelo é um ovo que se encontra sobre a mesa. Ele observa o ovo cuidadosamente. Mas o que ele pinta na tela é um pássaro em vôo, o futuro do ovo... Sua pintura é o sonho que o ovo o faz sonhar. Assim é o olhar dos educadores: eles olham para as crianças e vêm o que elas podem ser.





O bom é que, diante do fato de que amamos as crianças, as diferenças de teoria não fazem a menor diferença. Resta o pedido que se encontra no olhar de todas as crianças abandonadas: “Por favor, me proteja...”. E, se atendermos ao pedido desse olhar, não pensem que foi por bondade. Foi por interesse. Nós precisamos das crianças.

A meditação que se segue é de Kierkegaard, filósofo dinamarquês, o primeiro que li: “E quem haveria de ensinar-me o bom coração de uma criança! Quando a necessidade, imaginária ou real, nos mergulha na inquietação, no desânimo, no tédio ou na depressão, gostamos de sentir a presença benfazeja de uma criança, entrar na sua escola e, de alma apaziguada, chamá-la de nossa mestra, com reconhecimento”. “A inquietação que temos por uma criança sustenta uma coragem invencível...” (Bachelard).

Obrigado, crianças... Obrigado por nos perdoarem...

* A ilustração dessa crônica é um desenho de Käthe Kollwitz (1867-1945) intitulada Crianças Morrendo. Observe o olhar das crianças e, acima, a morte com o seu chicote.

RUBEM ALVES

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